Cabo da PM é condenada por falsificar documentos em favor de quadrilha de roubo de carga

14/09/2022 17h12 - Atualizado em 14/09/22 17h33

Em sentença proferida no dia 30 de agosto, a cabo L.A.S, da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, foi condenada a seis anos de reclusão, em regime semiaberto, por ter falsificado Registro de Eventos de Defesa Social (Reds) que vieram a favorecer um grupo especializado em roubo de cargas. A Defensoria Pública recorreu da decisão.

Segundo denúncia oferecida pelo Ministério Público à Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, a militar em questão, nas datas de 6 e 16 de janeiro de 2014, teria redigido dois Reds, fazendo constar no primeiro deles um roubo a caminhão com carga de copos de vidro avaliado em R$ 150 mil e, no segundo, o roubo de uma carga de andaimes de metal avaliados em R$ 450 mil. O MP destaca que em ambos aparecia como vítima o mesmo motorista, que, na verdade, participaria de uma equipe maior que costumava praticar roubo de cargas transportadas por caminhões. Nos dois casos, os delitos teriam sido apenas simulados, e a policial estaria ciente disso.

De acordo com o MP, os fatos narrados não teriam ocorrido, e o condutor do caminhão, conhecido como Cabelinho, sequer teria comparecido à sede do batalhão para lavratura dos Reds. “Em ambos os casos, a denunciada redigiu o sobredito documento sem a presença dele, conforme era previamente combinado com os autores, e ele o recebia já pronto em sua residência para que o apresentasse à empresa que o contratara, no intuito de dar veracidade a farsa descrita”, destacou a promotora da 9ª Promotoria de Justiça de Belo Horizonte.

A denúncia ainda imputa à policial a prática de falsificação documental em uma terceira ocorrência, dessa vez de simulação de roubo de uma carga de chapas de aço. Nesse caso, a militar em questão teria criado um outro Reds para dar lastro à versão da suposta vítima, porém teria atribuído a autoria do documento a um soldado PM, sendo que a falsificação foi comprovada por laudo da perícia.

O documento teria vários indícios de fraude, tais como fato ocorrido em uma rodovia federal (portanto de competência institucional da Polícia Rodoviária Estadual ou Federal) e assinatura da vítima, dado que não é comum nesse tipo de documentação, além de não constar no Sistema de Informação de Defesa Social – Sids e do número do Boletim de Ocorrência ser inverídico. Pesaria também contra a acusada o fato de ser a única policial militar que trabalhava na redação de Reds na sede do batalhão. Para completar, a ré também era acusada de ter recebido ou aceitado receber a quantia de R$ 5 mil para redigir cada um dos Reds em questão.

“A denunciada era a incumbida de dar aspectos formais ao fato falso, redigindo documento oficial com inverdades e adulterando documento público a fim de encobrir a subtração da carga roubada pelos demais participantes da quadrilha, tendo recebido ou aceitado receber, para tanto, a quantia de R$ 5 mil. Os crimes foram praticados com infração do dever funcional, tendo em vista que a acusada, na condição de policial militar, possuía o dever jurídico de coibir a prática de crimes, tendo, ao contrário, aderido à conduta delituosa dos civis infratores”, argumentou a promotora.

A defesa da cabo da PM salientou durante o julgamento que, embora as falsidades documentais estejam comprovadas, não haveria elementos para imputar a ela a autoria.  Mas, em julgamento pelo Conselho Permanente de Justiça – CPJ/PM, a acusada foi condenada, por maioria de três votos a dois, por crimes referidos nos artigos 312 (“omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, desde que o fato atente contra a administração ou o serviço militar”) e 311 (“falsificar, no todo ou em parte, documento público ou particular, ou alterar documento verdadeiro, desde que o fato atente contra a administração ou o serviço militar”) do Código Penal Militar – CPM. Sobre a acusação de que teria recebido ou aceitado receber quantia por cada um dos Reds, o CPJ/PM decidiu, por unanimidade, absolvê-la.

O CPJ/PM, presidido pelo juiz de Direito Titular da 1ª Auditoria, e tendo como membros um Major e dois Capitães da PMMG, alegou na fundamentação da decisão que se encontrariam presentes “os requisitos objetivos necessários à configuração do delito de falsidade ideológica, notadamente porque foram inseridos dados que não correspondem à realidade, com nítido propósito de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.

“Além da presença dos requisitos objetivos, é notória a presença do dolo da ré, manifestado pela vontade livre e consciente de fazer inserir informações que efetivamente não aconteceram, tendo ela plena ciência disso. Por tais razões, impõe a condenação pela prática de ambos os delitos de falsidade ideológica”, alegou o CPJ/PM.

Apesar de se tratar de ré primária, na fixação da pena o Conselho entendeu que as denúncias são de “considerável gravidade, notadamente porque através de sua prática a ré contrariou importantes valores sociais e institucionais, prejudicando, assim, consideravelmente, o bom funcionamento da Corporação Policial Militar e da própria Administração Pública Militar no que tange ao serviço prestado à sociedade”.

Diante disso, definiu-se uma pena unificada com um total de seis anos de reclusão, a ser cumprida em regime semiaberto. Para o CPJ/PM, “a intensidade do dolo é de elevada monta, tendo a ré agido com vontade livre e consciente de praticar as condutas descritas nos tipos penais em que se deram as condenações”, porque “as condutas foram praticadas para facilitar a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime, posto que os falsos Reds estão relacionados a roubos de carga que não existiram, muito embora tivesse ocorrido desvio dessas cargas. Os delitos foram praticados com violação de dever inerente a cargo, pois como redatora de Reds a denunciada não poderia fazer registrar informações inverídicas que viessem a favorecer ao grupo especializado de roubo de cargas”.

No último dia 1° de setembro, a Defensoria Pública de Minas Gerais recorreu da sentença, solicitando que o caso seja submetido, em 2ª Instância, ao Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais – TJMMG. A policial recorre em liberdade.

Texto: SECOM/TJMMG