Home office na Justiça: da necessidade à realidade

18/07/2022 10h10 - Atualizado em 18/07/22 13h21

O tema “Saúde Mental e Teletrabalho” abriu nesta sexta-feira, 15, o Ciclo de Palestras “Teletrabalho em Pauta”, promovido pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais (TJMMG). A palestra foi proferida pela juíza do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, Mirella Cahú.

“Estamos iniciando algo novo. O teletrabalho, na Justiça Militar, começou como em todos os setores da administração pública, de forma acanhada. Na verdade, houve uma portaria do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e que nós recebemos aqui para que pudéssemos avaliar. Logo pensamos em fazer um projeto-piloto, mas fomos surpreendidos pela pandemia, e aquilo que era dúvida acabou se tornando uma realidade”, introduziu o desembargador Sócrates Edgard dos Anjos, corregedor do TJMMG e presidente da Comissão de Teletrabalho do órgão.

“Parte não aceitava [o teletrabalho], parte não concordava, outra parte dizia que era bom, mas na verdade ninguém tinha noção do que pudesse acontecer, se seria bom ou ruim. A covid-19 acabou por nos pressionar a tomar esta atitude de realizar um trabalho à distância, nós não tínhamos outra opção. Vivenciamos por quase dois anos essa rotina do trabalho em casa sem nenhum preparo para tal, tanto é que a gente não tinha noção nem de como avaliar”, rememorou o desembargador. Por outro lado, ele ressaltou que aquilo que foi adotado como necessidade também trouxe uma experiência positiva. “Na Justiça, mesmo na época da pandemia, os resultados foram bastante otimistas com o teletrabalho, porque se ganhou em economia, condição de trabalho do servidor, e a Justiça andou de certa forma até mais rápida”, analisou.

“Imediatamente, já utilizando o know how do trabalho à distância, fizemos a regulamentação interna, com nossa resolução aprovada pelo Pleno, depois a regulamentação por portaria. De qualquer forma, estamos no início e agora veio a iniciativa do Recursos Humanos, que tem a atribuição de gerenciar o teletrabalho, e apresenta o PAT – Programa de Atendimento do Teletrabalhador, que prevê ações e apoiamento para antecipar, evitar e amenizar os desafios que essa nova modalidade pode trazer aos teletrabalhadores”, destacou o desembargador Sócrates. “Além das palestras, o PAT vai realizar pesquisas, com o objetivo de que todos saiam ganhando: os teletrabalhadores, a Justiça e os jurisdicionados”, ressaltou.

Home office pandêmico – Mirella Cahú iniciou sua fala contextualizando que o chamado “home office pandêmico” de fato se iniciou para todos de forma abrupta, muitas vezes sem pensar e nem ter o preparo, até o momento atual, em que esta modalidade de teletrabalho está sendo regulamentada e construída. “Proponho-me a refletir sobre esse tipo de forma de trabalhar, entender a forma de impacto que isso pode nos causar na parte física e mental, e propor soluções e estratégias que podem diminuir o impacto negativo”, disse.

Segundo a palestrante, quando precisamos ficar em casa isolados pela pandemia tivemos a desconstrução daquilo que entendíamos que era trabalhar. Até então, dados da Organização Mundial do Trabalho – OMT apontavam que apenas 7,9% da força de trabalho no mundo já atuavam em regime de teletrabalho de forma permanente, o que representava cerca de 200 milhões de pessoas.

Ela detalhou, inclusive, que home office é o termo mais adequado ao tipo de modalidade advinda com a pandemia, sendo um dos tipos de teletrabalho. “Não são sinônimos. Quando eu trago o trabalho para a residência ou ambiente familiar, trata-se de home office”, pontuou.

A juíza, que tem formação em Transtornos Mentais no Trabalho pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, é especialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho, e mestranda em Psicologia Social do Trabalho, explicou que há segmentos e funções mais propícias para esta nova modalidade – e o ambiente judiciário é um deles. “Nosso trabalho no judiciário é eminentemente intelectual, por isso nos sentimos tão bem nessa nova realidade”, analisou, ressaltando que a atuação de diretores e gerentes, trabalhadores de apoio administrativo, técnicos e profissionais de nível médio têm maior propensão de exercer um bom trabalho em home office.

“Mas será que a gente estava preparado para o homme office na pandemia? Alguns nunca tinham feito uma videochamada, não tinham facilidade de conversar por WhatsApp com múltiplos grupos… Passamos a nos preocupar se a nossa casa tinha estrutura para este trabalho. E quem não se sentia estressado pelas múltiplas demandas?”, questionou.

Vantagens x desvantagens – A palestrante citou as vantagens advindas do home office, como a flexibilização da jornada, a economia de tempo e de custos, a autonomia da organização do trabalho em sua residência, o aumento de produtividade, redução no absenteísmo e na poluição, entre outros. Mas alertou também quanto às desvantagens “que precisamos estar atentos para manejar e não causar adoecimento”.

Uma delas seria a necessidade de reconstrução dos fundamentos da vida privada. Segundo Mirella Cahú, para muitas pessoas é difícil expor seu ambiente residencial, ou conseguir dividir no ambiente doméstico o momento do trabalho. Outra desvantagem seria o temor do fracasso.

“O indivíduo fica muito inseguro pensando: o que eles esperam de produtividade? Posso continuar trabalhando na mesma intensidade? Esse temor do fracasso gera uma espécie de hiperprodutividade, e temos que estar atentos a isso”, orientou.

Outra desvantagem é que, executando o trabalho de casa, existe uma perda de status e promoção, assim como há uma desmobilização sindical como convivência harmônica, grupal, com sentido de categoria. “Minhas metas passam a ser individuais, que não divido com outras pessoas, e fico isolado”, exemplificou.

Para Mirella Cahú, quando se pensa em home office é preciso pensar em saúde, desconstruindo a forma de se gerenciar o trabalho. “Um grande ambiente de trabalho se transformou em pequenos microambientes, e o trabalho nunca é neutro: ou ele promove a saúde ou o adoecimento”, disse. Neste sentido, é preciso buscar sentimentos de identidade (“me sentir quem sou como trabalhador”), reconhecimento (“do cliente público, que é o objetivo final de nossa atuação, do superior hierárquico, dos colegas de trabalho… é ver algo de mim que é impresso no meu trabalho”) e de pertencimento (“entender que faço parte de um coletivo de trabalhadores”), criando uma “armadura da saúde mental, algo que visto e que eu protejo, que eu faço com que minha integridade enquanto pessoa e minha saúde psíquica seja experimentada, e que não haja influência de fatores externos para causar adoecimento”.

Para criar essa armadura, ela orienta que haja cuidado para não ocorrer invasão de esferas privadas e de intimidade, destaca que é preciso pensar em padrões éticos, regras de conduta, e uma análise dos gestores para muito além da simples produtividade e alcance de metas. “Observem trabalhadores que não interagem com a equipe, em que há queda de produtividade. Promovam treinamentos a possibilitar não só preparo técnico, mas convívio, fomento de canais de diálogo, momentos de convivência. Usem os recursos tecnológicos para isso, ou mesmo encontros presenciais para esse sentimento de pertencimento”, enumerou.

A palestrante parabenizou o Tribunal “por nos trazer essa oportunidade de estar debatendo essa temática”, e elogiou o órgão por já estar à frente, com uma regulamentação sobre o tema. “A palestra foi de grande valia para nossos trabalhadores e gestores, para que a gente, com outros olhares, avalie o home office, e todos nós só temos a ganhar, porque é um caminho sem volta, é um avanço, e temos que nos adaptar”, concluiu o presidente da Comissão de Teletrabalho do TJMMG.

Assista à palestra na íntegra aqui

Texto: Secom TJMMG