Projeto

07/04/2010 21h19 - Atualizado em 07/04/10 21h19
CURSO DE ADAPTAÇÃO DE OFICIAIS MILITARES PARA
A ATUAÇÃO COMO JUÍZES NA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL


  •    Uma parceria da Corregedoria do TJMMG e da Universidade Federal de Minas Gerais.

                     Projeto de Extensão Registrado nº 400530 – SIEX
        

    • Prof. Coordenador: Fernando A. N. Galvão da Rocha

     


    APRESENTAÇÃO:
     

    O presente projeto de extensão trata da realização, em parceria com a Corregedoria da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, de curso de capacitação para oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar para a atuação como juízes nos Conselhos Permanentes e Especiais da Justiça Militar estadual.

    A Justiça Militar brasileira tem suas origens no sistema judiciário português e é a mais antiga do Brasil, tendo sido criada pelo príncipe regente D. João que instituiu o Conselho Supremo Militar e de Justiça, em 1º de abril de 1808. Nosso primeiro Tribunal teve sua denominação posteriormente alterada para alcançar a atual denominação de Superior Tribunal Militar.

    É importante lembrar que na Constituição Republicana de 1891 o Tribunal Militar brasileiro foi previsto como órgão do Poder Executivo, sendo que a Justiça Militar somente passou a integrar o Poder Judiciário com a Constituição de 1934. Com base no artigo 84 desta Constituição foi possível a criação da Justiça Militar Estadual e, neste momento, não havia qualquer distinção entre as funções institucionais das milícias federais e estaduais. O art. 167 da carta magna de 1934 limitava-se a dispor que “as polícias militares são consideradas reservas do Exército, e gozarão das mesmas vantagens a este atribuídas, quando mobilizadas ou a serviço da União.” Nenhuma palavra sobre qual seja a missão das instituições militares estaduais ou da Justiça Militar Estadual.

    Ao tempo do regime militar, a Justiça Militar da União recebeu competência para o processo e julgamento dos crimes praticados contra a segurança nacional. Esta atuação fez com que a sociedade brasileira vinculasse a Justiça Especializada ao período de exceção.

    Hoje, no entanto, vivenciamos novos tempos. Tempos de iluminação, de liberdade e de responsabilidade social. Superamos aqueles dias de trevas, mas ainda precisamos reconstruir a identidade da Justiça Militar, sobretudo a estadual, com base na premissa democrática. A recente experiência autoritária induz a sociedade a visualizar na Justiça Militar um efetivo divórcio entre a racionalidade militar e os princípios de justiça, vinculando a prática do direito militar às razões instrumentais de um estado opressor. A perspectiva é evidentemente equivocada. Na ordem constitucional brasileira, a intervenção militar é manifestação do poder público que deve se conciliar com o Estado Democrático de Direito.

    Por outro lado, muitos operadores do Direito Militar racionalizam de maneira equivocada as questões da Justiça Militar, por se basearem na premissa de que esta se presta à assegurar observância aos princípios administrativos da hierarquia e da disciplina.

    Ao tempo da instituição de nossa Justiça Militar, a Coroa Portuguesa precisava preservar a unidade e obediência das tropas que garantiam a dominação sobre a colônia e a defendessem dos ataques de possíveis inimigos externos. A racionalidade que orientava a atuação dos militares e também de seus juízes considerava as necessidades de preservar a obediência da tropa frente aos seus possíveis inimigos. Esta racionalidade da guerra inspirou e continua a inspirar a interpretação da Justiça Militar por todo o mundo, de modo a vinculá-la apenas às necessidades e conveniências das forças armadas que integram o Poder Executivo. Nesse sentido, tornou-se clássica a afirmação de Clemenceau, primeiro ministro que comandou o exército francês durante a primeira grande guerra, no sentido de que como há uma sociedade civil fundada sobre a liberdade, há uma sociedade militar fundada sobre a obediência, e o juiz da liberdade não pode ser o mesmo da obediência.[1] Este pensamento, muito próprio às necessidades da guerra, lamentavelmente, costuma ser muito lembrado para orientar a conduta de juízes que hoje atuam em contextos muito diversos daquele para o qual foi concebido. Não se pode conceber que o militar estadual pertença a uma sociedade distinta dos demais cidadãos brasileiros e que, desta forma, estaria, fora do contexto da comunicação argumentativa que se estabelece no ambiente social. Excluir o militar do contexto de participação popular na conformação do direito a que está submetido significa tratá-lo como verdadeiro inimigo, em manifesta violação aos princípios do Estado Constitucional e Democrático de Direito. Segundo as premissas contemporâneas do direito penal do inimigo, se é a norma que atribui ao ser humano a qualidade de pessoa, também pode negar tal atribuição a quem não se deixa coagir a viver num estado de civilidade. Os inimigos seriam, a rigor, não-pessoas que constituem fonte de perigo social e para os quais não valem as disposições protetivas do direito dos cidadãos.[2] Certamente, as concepções indisfarçavelmente autoritárias do direito penal do inimigo são incompatíveis com o Estado Constitucional e Democrático implantado no país com a carta de 1988. Portanto, não se pode tratar o militar estadual como se fosse uma não-pessoa, um não-cidadão, excluído da tutela protetiva que o Direito confere aos cidadãos. É importante e necessário reconhecer que o militar é um cidadão, muito embora use fardamento militar.

    Nos Conselhos de Justiça, oficiais militares sem qualquer formação para o exercício da jurisdição são juízes do fato e do direito que lhe é aplicável. A origem da instituição no Poder Executivo e a formação militar de seus juízes têm produzido a errônea compreensão de que a Justiça Militar presta-se a garantir aos interesses administrativos das instituições militares.

    Quando no exercício de funções jurisdicionais na Justiça Militar estadual, os oficiais militares integram o Poder Judiciário e devem, portanto, atuar conforme a racionalidade inerente às funções judicantes. Ao Poder Judiciário cabe a garantia dos direitos fundamentais do cidadão, que estão expressos na Constituição e nas leis. Pensar que o Poder Judiciário, pelos órgãos da Justiça Militar, trabalha unicamente para preservar a hierarquia e a disciplina da tropa é um grave equivoco que deve ser evitado.

    Neste contexto, pode-se ainda constatar a ausência da intervenção qualificada das escolas judiciais na formação dos juízes da justiça militar. No Brasil existem 87 escolas judiciais, sendo 26 destas especializadas na matéria trabalhista e 25 na matéria eleitoral. Atuando especificamente na formação de juízes militares não há escola judicial. (https://www.enm.org.br/?secao=escolas_brasil&top=3)

    Por isso, é necessário consolidar a identidade democrática da Justiça Militar, definindo claramente a sua missão constitucional. No exercício da competência criminal a Justiça Militar tem a missão de viabilizar a intervenção punitiva estatal, garantindo a observância dos direitos fundamentais do condenado. Espera-se que a imposição de pena criminal pela prática de um crime militar, da mesma forma que nos casos de crimes comuns, possa desestimular a ocorrência de novos crimes. Mas, não é missão institucional da Justiça Militar é aplicar medidas disciplinares aos militares.
     


    OBJETIVO GERAL:

    Capacitar os oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar para uma atuação democrática como juízes nos Conselhos Permanentes e Especiais da Justiça Militar estadual.
     
     
    OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

     

    Constituem objetivos específicos do projeto enfatizar que:

     

    a)  no âmbito de sua competência especializada, a Justiça Militar possui a missão institucional de resolver os conflitos de interesse que lhe são levados pelas partes com base na Constituição e nas leis, garantindo os direitos fundamentais do cidadão, como todos os demais ramos do Poder Judiciário;

     

    b) sua atuação deve ser absolutamente independente em relação aos interesses administrativos das corporações militares, pois a independência do Judiciário Militar é uma garantia de todo e qualquer cidadão;

     

    c)  não constitui missão institucional da Justiça Militar garantir a observância dos princípios administrativos da hierarquia e da disciplina militares;

     

    d) no Código Penal Militar apenas alguns crimes tutelam a hierarquia e a disciplina militar, de modo que não se pode reduzir sua finalidade protetiva a estes bens.

     
     
    INSTITUIÇÃO PARCEIRA:
     

    O curso de capacitação será realizado Corregedoria da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais em parceria com a Faculdade de direito da Universidade Federal de Minas Gerais e o apoio da Escola Nacional da Magistratura – ENM, da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB.


     
    PERÍODO DE ABRANGÊNCIA:

     

    O curso de capacitação será desenvolvido antes do exercício das funções jurisdicionais dos oficiais militares que são sorteados trimestralmente para comporem os Conselhos Permanentes e Especiais de Justiça.


     
    METODOLOGIA:

    O curso será realizado em 40 horas-aula e o conteúdo será distribuído nas seguintes disciplinas:

     
        * Hermenêutica constitucional. Hermenêutica e Constituição. Da Constituição como “regra fundamental” à “Constituição dos princípios”. A unidade hermenêutica do Direito pela constitucionalização de toda hermenêutica jurídica. Princípios, regras e valores constitucionais.
        * Direitos humanos fundamentais. Evolução e consolidação dos Direitos Fundamentais e dos Direitos Humanos. Codificação, promoção e proteção dos Direitos Humanos – tratados e convenções e sua recepção na ordem jurídica interna. Os Direitos Humanos no Sistema ONU. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Direitos Humanos no Brasil. O papel do Poder Judiciário brasileiro na efetivação dos direitos humanos. Os Direitos Humanos nos âmbitos civil e militar. Educação para os Direitos Humanos: construindo a consciência humanista para a sociedade do presente e do futuro.
        * Tópicos em direito penal militar. Teoria do crime. Racionalidade comunicativa. Imputação objetiva. Princípios da adequação social, insignificância, posição de garantidor e tolerância social a situações de risco. Aplicação da pena: método trifásico. Penas em espécie. Prescrição.
        * Tópicos em direito processual penal militar. Competência dos Conselhos de Justiça. Princípios e garantias fundamentais do processo penal. Prisão e liberdade provisória. Medidas cautelares não privativas de liberdade. Institutos processuais da legislação comum aplicáveis à justiça militar.

     

               A metodologia de trabalho será desenvolvida por meio de:

     
    – Aulas expositivas;

    – Leitura e discussão de textos;

    – Estudo de casos;

    – Debates

     
    PROFESSORES PARTICIPANTES:
     

     
    . Fernando A. N. Galvão da Rocha – Professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais e Juiz Civil do Tribunal de Justiça  Militar do Estado de Minas Gerais.

     
    . Bruno Wanderley Júnior – Professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

     
    . Fernando José Armando Ribeiro – Professor adjunto da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Juiz Civil do Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais.

     
    . Denilson Feitosa Pacheco – Professor da Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais e Procurador de Justiça.


     

     
     
      Juiz Civil Fernando A. N. Galvão da Rocha

    Corregedor da Justiça Militar


     
    [1] ROTH, Ronaldo João. Primeiros comentários sobre a reforma constitucional da Justiça Militar estadual e seus efeitos, e a reforma que depende agora dos operadores do direito, Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 95, v. 853, p. 442-483, nov. 2006, p. 446

    [2] JAKOBS, Günter. Direito penal do inimigo, p. 17. Sustenta o autor alemão que “quem não pode oferecer segurança cognitiva suficiente de que se comportará como pessoa não só não pode esperar ainda ser tratado como pessoa, como tampouco o Estado está autorizado a tratá-lo ainda como pessoa, pois, de outro modo, estaria lesando o direito de outras pessoas à segurança.”