Congresso Jurídico de Direito Militar chega ao fim após três dias de programação

15/06/2023 18h49 - Atualizado em 14/07/23 16h00

A tarde desta quinta-feira, 15, marcou os momentos finais do Congresso Jurídico de Direito Militar. “Psicologia da Prova Testemunhal e Direito Penal” e “Garantias do Tribunal do Júri na Justiça Militar” foram os últimos temas levantados durante o evento, culminando três dias de muitas reflexões e provocações acerca de assuntos afeitos à Justiça Militar no âmbito da União e dos Estados.

A palestra “Psicologia da Prova Testemunhal e Direito Penal” deu início à última parte da programação, às 14h30, com a presença da Lilian Milnitsky Stein, psicóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ela começou explicando que provas dependentes da memória são o nome técnico para as provas testemunhais, porque elas envolvem lembranças das ações, objetos, locais e pessoas que estavam envolvidas nos fatos.

Lilian Stein detalhou que existem vários tipos de memória, como as procedimentais (que reúnem habilidades e rotinas feitas de forma automática, como dirigir, e que são raras quando se fala de prova testemunhais), a semântica ou genérica (sobre fatos e conhecimentos prévios, mas que também não é a memória que se quer extrair de uma testemunha), e as chamadas memórias episódicas, que são específicas e contextualizadas espaço-temporalmente.

“É isso que temos que resgatar dessa testemunha. Muitas vezes o que eu quero é essa impressão digital, essa memória episódica, mas normalmente não é isso que temos. Essa é a memória-chave para um testemunho confiável”, ressaltou a psicóloga.

Segundo ela, reconhecimento é uma imagem mental, uma foto do momento do fato, e existem processos de memória que impactam no trabalho de valoração de uma prova testemunhal. “É claro que a nossa mente é capaz de resgatar as memórias gerando um testemunho e um reconhecimento fidedigno. Mas a memória não vai ficar protegida em uma redoma de vidro. Existe uma série de processos que vão impactar, desde o depoimento ou reconhecimento realizado na Polícia Judiciária Militar até o depoimento e reconhecimento em juízo. São tempos que passam, meses ou até anos, e a memória não é uma câmera fotográfica ou filmadora”, afirmou.

Mesmo com essas alterações, a psicóloga alertou: falsa memória é diferente de mentira. “Por mais que a pessoa queira guardar a informação, a memória vai perdendo a nitidez. Alguns aspectos conseguem estar mais preservados que os outros, mas há uma perda normal de nitidez das informações, não tem como esperar que uma testemunha ou vítima preserve exatamente como aconteceu. Há interferências – conversas com colegas, a pessoa assiste a séries na televisão, acessa redes sociais… Isso vai criar o registro de uma falsa memória. São lembranças de algo ou alguém que não correspondem aos fatos vividos”, exemplificou.

Por isso, coletar testemunhos logo na sequência dos fatos e fazer gravações audiovisuais da coleta são medidas simples e urgentes que fazem diferença na hora de valorar a prova, bem como o uso de uma entrevista investigativa, levando em consideração questões comunicacionais e memórias humanas mais confiáveis.

Tribunal do Júri – Um tema sensível. Assim é como o desembargador Fernando Galvão, vice-presidente do Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais (TJMMG), classifica falar sobre “Garantias do Tribunal do Júri na Justiça Militar”, palestra que concluiu a parte técnica do Congresso Jurídico de Direito Militar. O magistrado, que é professor pós-doutor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), defende a tese que, como consta na Constituição Federal de 1988, artigo 5°, é garantia fundamental a instituição do júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida – e não há ali separação entre vidas de civis e militares.

“Tratar de crime doloso contra a vida chama atenção ao bem jurídico de maior valor e que as atividades militares podem ofender. Mas o que me incomoda já de muito é termos referência a júri quando se trata de crime doloso contra a vida de civis. Por que o crime doloso contra a vida de militar não estaria no mesmo contexto? Em que se baseia um argumento de que, quando o crime atingir a vida de um militar, eu tenho uma valoração diferente? Onde está a diferença? Qual o fundamento?”, provocou. “Uma garantia constitucional dessa ordem deveria ser conferida também contra o militar que pratica crime doloso contra a vida de outro militar”, continuou.

Fernando Galvão revelou que tramita, na Câmara dos Deputados, um projeto de lei que prevê a criação do Tribunal do Júri na Justiça Militar, ao inserir no artigo 82 do Código do Processo Penal Militar (CPPM) que “compete ao Tribunal do Júri o crime militar doloso contra a vida do civil”. “Ganhamos o Tribunal do Júri, mas pela metade”, disse o desembargador, referindo-se ao fato de que, se aprovado, o texto segue excluindo o Tribunal do Júri para crimes contra militares.

Além de restringir a garantia ao crimes contra civis, ele diz que o texto apresenta outros problemas, como o fato de não deixar claro que a Justiça Militar da União pode instituir um Tribunal do Júri, não tratar do rito processual e também de vedar a composição do júri popular por militares – o que seria uma contradição já que, como contextualizou Fernando Galvão, o Tribunal do Júri teve origem na Inglaterra, por volta de 1100, com a ideia de promover o julgamento por iguais.

“No caso do novo texto, o julgamento seria feito pelos iguais à vítima, e não pelos iguais ao réu. São civis que vão jugar quando matam vítimas civis e fica clara, então, a ideia de que estão tentando encontrar uma forma de punir, sendo que há estudos que mostram que a Justiça comum tem absolvido muito mais do que punia a Justiça Militar”, detalhou o desembargador, que foi promotor de Justiça antes de se tornar magistrado e deixou claro: particularmente é contra o júri, mas o defende como um direito que está posto na Constituição.

Segurança pública – Concluindo a programação da tarde, Gustavo Ancheschi, presidente da Motorola Solutions Brasil, falou sobre soluções tecnológicas para segurança pública. “Inovação tem que estar presente no nosso dia a dia, em tudo o que a gente faz. A gente vê na Justiça os processos cada vez mais digitais, o arquivamento das provas, as imagens de ‘body cam’ [câmeras nos uniformes policiais], como manter isso em segurança? Como cumprir a Lei Geral de Proteção de Dados?”, questionou, esclarecendo que a questão da segurança da informação, com regras de armazenamento, cadeia de custódia, entre outros, são pontos cada vez mais buscados por responsáveis pela segurança pública em todos os estados.

O Congresso Jurídico de Direito Militar foi encerrado pelo desembargador Rúbio Paulino Coelho, presidente do Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais (TJMMG), realizador do evento ao lado da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados da Justiça Militar da União (Enajum) e da Associação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais (Amajme). O evento teve apoio da Motorola, CDL/BH, PMMG, CBMMG, e parceria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Superior Tribunal Militar (STM), Forças Armadas, Tribunais de Justiça Militar de São Paulo e Rio Grande do Sul, bem como do Gabinete Militar do Governador de Minas Gerais.

Assista às palestras da tarde na íntegra e com acessibilidade em libras aqui.

Texto: Esperança Barros
Secom/TJMMG